Há dez anos, em janeiro de 2007, o Smartphone foi lançado. Se ele não existisse, nós não teríamos a expansão das mídias sociais e muito menos a economia de aplicativos. Não teríamos o mesmo acesso à informação e aos meios de comunicação como temos hoje. O iPhone demonstra o quanto a tecnologia – e o mundo – mudaram entre 2007 e hoje. Desde o dia em que Steve Jobs apareceu no palco do MacWorld e lançou esse novo e revolucionário dispositivo, indústrias inteiras foram disruptidas e a forma como vivemos e trabalhamos se transformou.

Modelos de negócios consolidados nas últimas décadas estão sob sérias ameaças de sobrevivência. Disruptores, geralmente startups que ignoram as “máximas” dos negócios atuais, criam novos modelos de negócio que simplesmente derrubam empresas sólidas e bem gerenciadas. Vimos isso em industrias fortes, como a de celulares, onde outrora líderes como Motorola, Nokia e BlackBerry perderam toda relevância. E já vemos isto começando a despontar em setores antes considerados bastiões frente a inovações disruptivas. Mas, mesmo assim, ainda vemos muitas empresas patinando para entender o impacto da transformação digital. Muitas ainda estão paralisadas, ou ficando para trás. Muitas ainda não alavancaram suas habilidades digitais e o investimento em tecnologias emergentes ainda é incipiente, com um ou outro caso chamando a atenção, e despontando na mídia. Embora a tecnologia já tenha se tornado uma preocupação dos executivos C-level, muitos executivos de áreas funcionais como a própria TI ainda não estão totalmente envolvidos na transformação digital. Enquanto as expectativas dos CEOs com a inovação tecnológica crescem exponencialmente, as áreas funcionais ainda tentam traduzir estes anseios em ações bem-sucedidas. O grande desafio para as empresas é que a rapidez com que o ritmo de inovação vem se acelerando, torna cada vez mais difícil executar uma transformação digital bem-sucedida.

O problema é que muitas vezes o alvo da transformação digital está errado. O objetivo não é fazer a transformação digital, mas sim usá-la para transformar os negócios. No início de 2016 abordei o assunto no eBook “O Primeiro Passo: A Transformação Digital como base para os negócios Pós-Digitais no século 21”. Vamos voltar ao tema aqui.  O sucesso da digitalização depende fundamentalmente de se obter uma melhor compreensão dos objetivos de negócios e da experiência que se queira criar para os clientes e funcionários, e a partir daí, fazer a tecnologia funcionar para a organização. Isso só será conseguido se o processo não ficar concentrado apenas na TI, mas deve envolver toda a organização, inclusive os funcionários da linha de frente que estarão usando a tecnologia todos os dias. É necessário uma visão compartilhada sobre as prioridades digitais. A experiência humana, clientes e funcionários, é essencial ao processo de transformação digital. Afinal, o foco na experiência é o que fez os smartphones tão bem sucedidos.

Já noto nas conversas com executivos, em reuniões e eventos, alguns indícios de que algumas empresas já estão começando a se direcionar no caminho certo. Já vemos CEOs se tornarem “campeões do digital”, impulsionando suas empresas para a transformação. Já vemos muitos CIOs tornando-se mais estratégicos, mais conectados e consequentemente, visíveis dentro da organização.

Para estas empresas e seus executivos já está claro que a transformação dos negócios pela transformação digital está mudando profundamente o contexto estratégico, alterando a estrutura da competição, a condução dos negócios e eliminando a fronteira entre os setores de indústria. Baixa as barreiras de entrada e permite novos entrantes aparecerem muito rapidamente, ameaçando a ordem natural das coisas. A natureza “plug and play” (como blocos Lego) dos ativos digitais cria novas cadeias de valor que desagregam as cadeias estabelecidas, forjando novos competidores.

Uma frase atribuída a Alexandre Bell: “Se andarmos apenas por caminhos já traçados, chegaremos apenas aonde os outros chegaram” tem muito a ver com o momento atual de transformação digital e o papel do CIO.  O contexto das mudanças que transformarão a TI não se limitará a colocar sua infraestrutura em cloud ou criar alguns apps, mas envolve muito mais que isso. A cultura de desenvolvimento de sistemas, tão protegido por processos e métodos que se consolidaram por décadas de “best practices” e certificações também está sob pressão e não mais atende aos requisitos de empresas digitais, ágeis por natureza. O mesmo acontece com o próprio modelo de organizar e pensar TI.

O principal desafio é mudar a maneira de pensar, o paradigma ou modelo mental, que foi aprendido e praticado por décadas, que constitui a TI hoje. Se não aceitarmos que as regras que moldaram o atual modelo de TI está sofrendo mudanças drásticas, vamos perder o timing do processo.

É interessante observar que quando abordamos o tema de transformação digital muitos gestores de TI colocam barreiras. Não é surpresa, uma vez que, ironicamente, TI é uma das funções mais resistentes às mudanças dentro das organizações. Uma possível explicação talvez seja que muitas funções em TI são dependentes do sucesso de determinadas tecnologias, para os quais os profissionais se tornaram experts. Sair desta zona de conforto e entrar em um conjunto de novas tecnologias, novas práticas e novos modelos organizacionais causa, naturalmente, reações contrárias. Como são profissionais talentosos, suas argumentações são sólidas e geralmente suportadas por seus pares. Exemplos? Porque se ouve a todo instante que a empresa não vai adotar uma estratégia de “cloud first” porque cloud é insegura? Muitas vezes estes comentários partem de CIOs que gerenciam data centers muito mais inseguros que os oferecidos por provedores de cloud de primeira linha. O pressuposto que um data center interno é inerentemente mais seguro, é muito mais um imaginário coletivo que realidade. É uma reação natural à disrupção na ordem natural das coisas.

Aceitar e liderar estas mudanças na TI das empresas é que vai fazer a diferença entre os CIOs estratégicos e os operacionais. TI foi doutrinada a evitar riscos e manter a operação totalmente invisível aos usuários, reduzindo custos e atendo-se às práticas estabelecidas há muitos anos. Romper com este modelo mental não é simples. Ser inovador e “early adopter”, correr riscos, não faz parte de sua cultura e mindset.

Como vencer as inúmeras barreiras? Uma delas é a capacitação. Será que os profissionais das áreas de TI estão capacitados a trabalhar em cloud, desenvolvendo apps móveis e contextuais, utilizando práticas de entrega contínua? Seus profissionais conhecem apenas Oracle e DB2, ou já existe expertise em AWS, Django, Slack, Docker, PHP, jQuery, Python, Cassandra, MongoDB, Objective-C, Android, e outras novas tecnologias?  Como muitas vezes, as próprias empresas não consideram TI como diferenciadora, apenas a enxergam como operacional, ainda é comum vermos recrutamento dos profissionais restringindo-se a capacitações já estabelecidas. Dificilmente vemos empresas buscando profissionais com habilidades em “user design” para interfaces de apps, mas vemos buscas por profissionais com conhecimento em SQL. Vemos empresas buscando profissionais certificados em ITIL (quando ITIL surgiu, trouxe padrões, processos e uma estrutura, que eram muito necessários para a TI de então, mas não trouxe velocidade nem agilidade), mas não procurando talentos com experiência em processos de entrega contínua ou em algoritmos preditivos! Como inovar se não se busca as novas capacitações, que são absolutamente necessárias para uma nova TI?

O modelo operacional de TI é um outro aspecto importante. De maneira geral encontramos em muitas empresas uma TI orientada a custos, com papel operacional, de suporte ao negócio, e tendo este custo avaliado em relação a percentual do faturamento.  Quando a receita da empresa cresce, TI pode aumentar seu budget. Quando a empresa reduz sua receita, o budget de TI também é cortado. Este modelo de “fazer mais com menos”, sufoca a capacidade dos CIOs de inovarem. Eles ficam sob constante pressão para manter o dia a dia com menos custos e com poucas chances de conseguir budgets para inovar. Pior quando subordinados ao CFO, geralmente mais preocupados com lucratividade e redução de custos à curto prazo, e muito menos com inovação.  Não é vocação da maioria dos CFOs serem empreendedores e inovadores. Recomendo a leitura de um texto instigante, “Peter Drucker’s Advice to CEOs: Don’t Listen to CFOs” que aborda um evento com Peter Drucker, onde ele provocou: “I have just one thing to tell you today. Just one thing: no one, but no one in your company knows less about your business than your See Eff Oh”!

Uma outra barreira é a velocidade de resposta. Uma TI voltada a negócio, alavancando novas fontes de receita, tem que ser oportunista, o que contraria os processos atuais, que demandam longa maturação, da solicitação pelo usuário à implementação operacional. As práticas e processos de TI são rígidos e ancorados em modelos voltados a um contexto onde velocidade não é a variável mais importante. A realidade é que se tornou comum piadas que envolvem TI com o “não” inserido nela:  “não tenho recursos”, “não tenho tempo”, “não tenho capacidade computacional”…o que se busca é medir resposta em dias e não mais em semanas ou meses. Para atuar de forma oportunista, criando novos engajamentos com clientes, é preciso atuar no tempo correto. Um atraso de semanas (meses, nem pensar) e lá se vai a janela de oportunidade. TI deve ser por natureza ágil e veloz, em todos os aspectos. O conceito de “Lean Startup” como proposto no livro de Eric Ries deve ser o novo paradigma da TI.

O CIO tem condições, pode e deve ser o ponto focal das transformações digitais. Para isso deve compreender as mudanças que já estão ocorrendo e reinventar sua área e a sua própria função. Criar uma nova maneira de pensar TI na empresa e prover novos serviços e produtos. Ter uma TI veloz, ágil e inovadora.

Texto por:

Cezar Taurion – Head of Digital Transformation & Economy at KICK Ventures & Angel Investor