A revolução conduzida pela AI está chegando tão rápido que temos dificuldade em imaginar como ela se tornará. Todos os governos estão preocupados com os desdobramentos do avanço tecnológico

IA

Tenho acompanhado e vivenciado a rápida evolução da IA e observo que as principais nações a consideram estratégica. Os EUA, no final de 2016 liberaram um documento publicado pela Casa Branca, “Artificial Intelligence, Automation, and the Economy”, que discute os impactos da IA na economia e mercado de trabalho, propondo uma série de medidas para que o país esteja preparado para a nova era da cognificação.

Os autores do documento propõem três estratégias básicas, que são:

a) investimento em pesquisa e formação de talentos em IA;

b) educação e formação de pessoas para os trabalhos e profissões do futuro, que ainda serão criados;

c) como resolver o problema da transição do atual mercado de trabalho para um cenário AI-driven, com a automação executando grande parte das atividades que rotineiramente são feitas por pessoas.

Este último item é crítico, pois embora sabemos que a IA vai destruir empregos, por outro lado vai possibilitar a criação de inúmeros outros. Mas, os skills não serão transferidos automaticamente. Um motorista de caminhão que perca seu emprego pela automação não vai conseguir automaticamente uma posição de treinador de Machine Learning.

Outros países também têm mostrado sua visão da importância estratégica da IA. A China (vale a pena ler o relatório “Deciphering China’s AI Dream”, publicado pelo Future of Humanity Institute, da Universidade de Oxford, no Reino Unido), a Rússia, países europeus como França, (“Emmanuel Macron talks to Wired about France´s AI Strategy”) e até mesmo os Emirados Árabes, que criaram um ministério para Inteligência Artificial (An Inside Look at the First Nation With a State Minister for Artificial Intelligence).

Recentemente li com atenção mais um extenso documento, este do Reino Unido, publicado pela Câmara dos Lordes, que é a câmara alta do parlamento do Reino Unido, chamado “AI in the UK: ready, willing and able?”, com uma análise do posicionamento atual e futuro do Reino Unido quanto à IA. Em complemento a este material, foi publicado um extenso documento, de mais de  1500 páginas, “Select Committee on Artificial Intelligence : Collated Written Evidence Volume” , que contém o material que serviu de fundamentação para o relatório final.

É indiscutível que a IA é uma realidade. Já vemos exemplos, aqui e ali, de empresas praticamente autônomas (How Organizations Will Produce in an Autonomous Future) e temos que nos preparar para este futuro próximo. A revolução conduzida pela AI está chegando tão rápido que temos dificuldade em imaginar como ela se tornará. O imaginário de ficção científica ainda predomina. Lembro de uma frase de um dos filmes que me marcaram, e que tenho em casa, “2001: A Space Odyssey”, que foi lançado há exatamente 50 anos atrás, onde o computador se intrometia na vida da tripulação: “Just what do you think you´re doing, Dave?”. De lá para cá vimos filmes de robôs como Terminator, “Eu, robô”, Ela e Jarvis, o assistente pessoal de Tony Spark em Iron Man. A propósito, Jarvis significa “Just Another Rather Very Intelligent System”. A ficção científica poderia muito bem ser definido como antecipação cinetífica. Muito do que Jarvis faz, de uma forma ou de outra, já está no nosso dia a dia.

Jeff Hawkins, fundador da Numenta (e inventor do Palm Pilot), diz que a IA está hoje em um ponto similar ao da computação no início da década de 1950, quando os pioneiros estabeleceram as ideias básicas dos computadores. Menos de 20 anos depois, os computadores tornaram possíveis sistemas de reservas de companhias aéreas e ATMs bancários e ajudaram a NASA a colocar o homem na lua, resultados que ninguém poderia ter previsto nos anos 50.

Adivinhar o impacto da IA e dos robôs em uma década ou duas está se tornando ainda mais difícil. “Daqui a vinte anos, essa tecnologia será um dos principais motores da inovação e da tecnologia, se não a principal”, diz Hawkins. “Mas você quer previsões específicas? É impossível. O próprio relatório da Casa dos Lordes cita que “As soon as it works, no one calls it AI anymore…”.

Onde poderemos chegar? Ray Kurzweil, do Google, afirma que “na década de 2030 poderemos inserir nanorobôs no cérebro (através de capilares) que permitirão uma imersão total dentro do nosso sistema nervoso, conectando nosso neocórtex à nuvem. E expandindo nosso neocortex na nuvem, poderemos expandir 10 mil vezes o poder de nossos smartphones”.

Indiscutível que a IA irá afetar o emprego como conhecemos. A automação, em seu início, afetou as linhas de produção nas fábricas. Agora o risco de desemprego afeta funções que antes eram reservadas aos humanos. Por exemplo, motorista de caminhão. É um dos trabalhos mais comuns no mundo todo. São 3,5 milhões deles nos Estados Unidos e aqui no Brasil temos mais de um milhão registrados para o transporte de carga.  O governo holandês já realizou um teste bem-sucedido de caminhões sem motorista cruzando a Europa. A consultoria McKinsey previu que, dentro de oito a dez anos, um terço de todos os caminhões nas estradas americanas serão autônomos, rodando sem motoristas. Em talvez 15 anos, o motorista de caminhão, como o ascensorista em todos os edifícios inteligentes, será um anacronismo.

Temos um imenso desafio pela frente e isso está sendo reconhecido por diversos países. Dois anos atrás, em janeiro de 2016, no Fórum Mundial de Davos, seu chairman Klaus Schwab disse que uma mudança estrutural está em andamento na economia mundial, no que seria o início da Quarta Revolução Industrial. Segundo ele, esta revolução aprofundará os elementos da Terceira Revolução, a da computação e fará uma “fusão de tecnologias, borrando as linhas divisórias entre as esferas físicas, digitais e biológicas”. Esta nova revolução, unindo mudanças socioeconômicas e demográficas, terá impactos nos modelos e formas de fazer de negócios e no mercado de trabalho. Afetará exponencialmente todos os setores da economia e todas as regiões do mundo. Mas não do mesmo modo. Haverá ganhadores e perdedores. “As mudanças são tão profundas que, da perspectiva da história humana, nunca houve um tempo de maior promessa ou potencial perigo”.

O mercado de trabalho será afetado dramaticamente, inclusive com trabalhos intelectuais mais repetitivos substituídos pela robotização. As mudanças não são perspectivas, mas reais. Este assunto, impactos na mudança do mercado de trabalho, já vem sendo debatido, com algumas previsões apocalípticas estimando que em 10 a 15 anos cerca de metade das vagas de funções como operadores de telemarketing, corretores, carteiros, jornalistas, desenvolvedores de software e outras terão desaparecido, pelo uso de softwares e robótica encharcados de algoritmos inteligentes. Diante desse cenário, não podemos ficar inertes.

Chris Anderson, curador do TED e AI XPrize propôs uma competição onde, em torno de 2020, um sistema de IA poderá subir ao palco do TED e apresentar uma palestra empolgante, que receberá aplausos entusiásticos da plateia. Isso implica em habilidades que superarão a de muitas pessoas, como capacidade de se comunicar além de vozes monotônicas, mas que gerem interesse e despertem emoção.  O robô Sophia, que estará no palco do IT Forum Expo 2018,  já sinaliza um futuro próximo de maior interação entre seres humanos e máquinas.  A IA vai penetrar em todos os setores da economia e afetar processos e modelos organizacionais, inclusive até possibilitando a reinvenção de novos modelos de negócios.

A conclusão é simples, mas dramática. Os avanços na Inteligência Artificial e na robótica estão impulsionando uma nova era automatização, que será um importante motor de desempenho empresarial nos próximos anos. Afetará empresas, empregos, sociedade e a economia. Obrigará a revisão da atual formação educacional, e demandará fortes ações por parte de governos e das empresas. É essencial que as corporações de todos os setores de negócio compreendam seu impacto potencial, ou ficarão para trás. IA não é coisa de nerd ou de cientistas, mas deve estar nas reuniões do CEO e do board das organizações.

Uma estratégia de ação pode e deve começar a ser desenhada: repensar as estruturas organizacionais para serem mais fluídas e mais integradas entre si; redefinir as funções e papéis das atividades exercidas pelos profissionais; dividi-las em tarefas e subtarefas, alocando-as para humanos ou futuramente máquinas (e começando com uso de ofertas de serviços externos) e repensando carreiras e modelos de retenção de talentos.  E, principalmente, repensar o nosso modelo educacional. Continuar forrmando gente para profissões que não existirão ou serão substancialmente modificadas nos próximos dez a quinze anos é perda de tempo.

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Devemos ter em mente que os computadores não substituirão os humanos. Substituirão funções. Serão complementos para os humanos e não seus substitutos.

Os negócios mais valiosos do mundo das próximas décadas serão desenvolvidos por empresas que usarão a IA para fortalecer as pessoas e não torna-las obsoletas. Serão vencedoras as empresas que souberem fazer ,com maestria, com que os sistemas de IA ajudem os humanos a fazerem o que antes era considerado inimaginável.

A IA não envolve uma equação de soma zero, humanos versus IA, mas sim de complementaridade, humanos mais IA gerando mais inteligência.

Texto por:

Cezar Taurion – Head of Digital Transformation & Economy at KICK Ventures & Angel Investor