Inteligencia Artificial

O impacto da era digital e principalmente da IA e robótica nos empregos, funções e carreiras não pode ser minimizado. A questão não é ser otimista ou pessimista, mas entender a amplitude do desafio e nos preparamos como sociedade, empresas e pessoas para este futuro que já está se tornando presente. Um recente relatório da McKinsey Global Institute aponta que 30% dos empregos atuais, no mundo todo, poderão ser automatizados até 2030, e isso deslocará cerca de 800 milhões de pessoas, que caso, não consigam realocação, causará um choque social. Este extenso e abrangente relatório de 160 páginas, “Jobs Lost, Jobs gained: Workforce Transitions in a Time of Automation” mostra que muitos empregos serão destruídos, mas milhões de outros serão criados. Mesmo que uma determinada atividade não seja eliminada (como muitas no passado, como ascensoristas e telefonistas), a maioria das que permanecerem serão afetadas. O estudo mostra que 60% das ocupações tem pelo menos 30% do trabalho constituido de atividades que podem ser automatizadas. Também serão criadas novas ocupações que não existem hoje, tanto quanto as tecnologias do passado já fizeram. O desafio é que as novas funções demandarão novas habilidades e provavelmente nem todas as pessoas deslocadas conseguirão adquiri-las. Por exemplo, um motorista de caminhão tem experiências e habilidades diferentes de um data scientist e não será fácil transformar um em outro. Outros estudos corroboram esse relatório. O presidente do Banco Mundial também abordou o imenso desafio que temos pela frente, em “World Bank Chief: Robots Have Put Us on a Dangerous “Crash Course” e também sugiro a leitura de um artigo da Nature, “Track how technology is transforming work”. Um vídeo de 12 minutos no YouTube  explica isso claramente e recomendo que seja visto.

As funções mais suscetíveis à automação incluem os trabalhos repetitivos em ambientes previsíveis, como operar máquinas e preparar fast food, mas outras funções como coletar e processar dados serão categorias de atividades que cada vez mais poderão ser feitas de maneira melhor e mais rápida com as máquinas. Isso pode deslocar grandes quantidades de empregos nas atividades de back-office.

Para mim está claro que uma nova sociedade mundial está se delineando, fortemente baseada na tecnologia da computação e Internet. Estas mudanças trarão impacto mais profundo que as demais ondas tecnológicas anteriores, como a revolução industrial. Além disso, sua amplitude e velocidade são únicas na história humana e muito provavelmente seus impactos sociais e econômicos, serão duramente sentidos pela obsolescência rápida de muitas profissões. A evolução exponencial da tecnologia vai substituir diversas funções exercidas por pessoas hoje. Tudo o que puder ser automatizado, o será. O desafio é que esta mudança, por ser rápida e profunda, tem muitas chances de destruir empregos mais rapidamente que criar outros.

O efeito da revolução digital será diferente nas diversas economias do mundo. Países com baixo nível educacional, fortemente ancorados em trabalhos de baixa qualificação tem possibilidades bem maiores de sofrerem mais. Países com alto nível educacional conseguem gerar novas funções mais rapidamente, porque estas novas funções tenderão a exigir uma capacitação maior que a média atual. Um subproduto desta nova era digital poderá ser o aumento da desigualdade econômica e social entre países e entre os habitantes de cada nação. Cada emprego rotineiro está na mira da automação, e não mais apenas nas linhas de produção, mas em áreas como contabilidade, direito, atendimento aos clientes, entre outras. Um escritório de advocacia em vez de 99% de advogados (alguns seniores e a maioria juniores) será estruturado em poucos advogados especialistas seniores e muitos data scientists escrevendo algoritmos e mais algoritmos automatizando a maior parte do trabalho, que é rotineiro, como buscar documentos, pareceres, jurisprudências e escrever petições e contratos. Provavelmente se parecerá mais como uma empresa de tecnologia atuando na área advocatícia. Na contabilidade, o mesmo.  A questão é o que fazer com os atuais advogados e contadores que perderão seu espaço?

Entretanto, todo risco embute uma oportunidade. O relatório da McKinsey sugere que várias tendências podem servir como catalisadores da criação de novas demandas, que podem gerar milhões de novos empregos até 2030. Embora a automação seja inevitável, não significa o fim do trabalhador humano. A história nos mostrou que ao longo do tempo, os mercados de trabalho se ajustaram às mudanças na demanda por trabalhadores provocadas por disrupções tecnológicas. Quantos empregos são deixados para a humanidade, no entanto, dependerá da forma como nos preparamos para a inevitável disseminação mundial da automação.

Um relatório do Fórum Econômico Mundial revela que quase 65 por cento dos empregos que os atuais alunos do ensino fundamental farão no futuro ainda não existem. Combinado com a automação tecnológica e o desaparecimento de empregos tradicionais, isso nos deixa uma questão crítica: como podemos sobreviver a esse mundo?

Habilidades inerentemente humanas como criatividade e imaginação serão as bases das capacitações que gerarão valor econômico. Um instigante estudo da Cognizant, “21 Jobs of the Future” visualiza algumas funções que não temos percepção hoje, como  Ethical Sourcing Manager, Fitness Commitment Counselor, Personal Memory Curator e Digital Tailor. O mais legal deste estudo é que ele mostra as funções como oriundas de uma futura área de talentos, com a descrição da função, requisitos e assim por diante. É um cenário de futuras contratações e bem instigante. Dessa forma começamos já a pensar diferente, não apenas fora da caixa, pois ela ainda nos prende em pensamento, mas pensar sem caixa nenhuma.

A condição essencial para essa adaptação é que o sistema educacional seja redesenhado para formar novas profissões e reinventar as atuais. A tragédia é que nosso sistema educacional foi desenhado para a era industrial. As escolas e a academia não estão sabendo lidar com a evolução exponencial e ainda se apegam ao modelo linear da sociedade industrial. Em vez da ênfase nas notas ou no conhecimento de conteúdo sem praticidade, precisamos começar a enfatizar as habilidades de sobrevivência do século 21, como entender e acompanhar o crescente valor econômico da imaginação e da criatividade. Estas habilidades é que devem ser refletidas na formação educacional. O artigo da Singularity University, “7 Critical Skills for the Jobs of the Future” enfatiza estes pontos. Entre as habilidades demandadas temos a capacidade de ter pensamento crítico e ser capaz de atuar forte na resolução de problemas, atuar em colaboração, ter agilidade e adaptabilidade, ter iniciativa e empreendedorismo e assim por diante.

Há muitas maneiras de melhorar as habilidades de criatividade e imaginação em mentes jovens. Uma maneira de incentivar a criatividade é colocar foco crescente no pensamento multidisciplinar, onde os alunos sejam ensinados a criar ligações interdisciplinares e a ver problemas sob diferentes ângulos e contextos. Outro método é encorajar os alunos a não apenas serem consumidores passivos de informações, mas também estarem envolvidos em processos criativos como praticantes ativos, usando o conhecimento que estão obtendo para solucionar problemas. E colaboração é o nome do jogo.

Aqui no Brasil, precisamos urgentemente rever o nosso sistema educacional. Um recente relatório com dados do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa, na sigla em inglês) revelou que os estudantes brasileiros estão entre os piores, em meio a 52 países ou economias com dados disponíveis, no que diz respeito a resolver problemas de maneira colaborativa, ou seja, escutando outras opiniões, compartilhando esforço com outros colegas e reunindo conhecimentos para chegar a uma solução. A média de 412 pontos obtida pelos brasileiros nessa competência ganha somente da Tunísia, que registrou 382 pontos. Cerca de 64% dos estudantes brasileiros têm desempenho baixo quando o assunto é resolver problemas de maneira colaborativa. O relatório mostra ainda um detalhe curioso. Nas nações e economias com melhores desempenho no que diz respeito à capacidade de trabalhar em equipe também são observadas as melhores notas nas avaliações de matemática, leitura e ciências.

Temos muito o que fazer. O futuro pertence a quem pode imaginá-lo, projetá-lo e executá-lo. Não é algo que aguardamos passivamente que chegue, mas que devemos criá-lo. A capacidade de imaginar futuros disruptivos e excitantes, para nós mesmos como indivíduos e coletivamente como uma espécie, sempre foi o combustível para o progresso humano. Afinal, como disse Albert Einstein: “A imaginação é mais importante do que o conhecimento”.

Texto feito para o Futuri9 por:

Cezar Taurion – Head of Digital Transformation & Economy at KICK Ventures & Angel Investor