Não se luta impunemente contra a vontade do mercado

Quando olhamos para trás constatamos como o mundo mudou nos últimos 20 anos.  Em 1998 a Amazon tinha um ano de IPO e o Google estava sendo criado. Não existiam smartphones, Uber, Airbnb, Waze. A Web estava recém nascida. O primeiro browser, Mosaic, apareceu em 1993… E é aí que a ficha cai, para usar uma expressão comum na época.

Vemos que a explosão da Web se deu a partir da convergência de tecnologias. A Internet no início conectava grandes computadores. O PC, isolado, era uma ferramenta útil como computador pessoal, para planilhas e edição de textos. Mas, quando o PC e a Internet se encontraram, deu-se a faísca. Em casa poderíamos acessar a Internet e fazer coisas fantásticas. Mas a explosão de uso se deu quando o iPhone surgiu em 2007. Ele colocou a Internet no nosso bolso. Surgiram novos modelos de negócio e vivenciamos mudanças nos hábitos, a partir da existência das redes sociais, e nos modelos econômicos,  a partir do surgimento e expansão do conceito da “economia do compartilhar”. Negócios inovadores surgiram e produziram resultados fantásticos. Por exemplo, a AppStore, que surgiu em 2008 já gera mais receita que a indústria cinematográfica de Hollywod.

Nossos hábitos mudaram com as redes sociais. Hoje compartilhamos opiniões e ideias no Facebook, nos conectamos profissionalmente no Linkedin e tuitamos mais de 480 mil vezes em um único minuto. E, é claro, neste minuto também fazemos mais de 3,7 milhões de buscas no Google.

internetemumminuto

Estamos ainda com pouco mais da metade da população brasileira conectada à Internet. Muito provavelmente, em mais uma década teremos praticamente toda a população do planeta conectada à Internet. A chegada de novas tecnologias de conexão via satélites,  ou balões (“4 Billion New Minds Online: The Coming Era of Connectivity”), vai provocar uma nova era de expansão de conectividade. Com isso, estamos nos transformando com tamanha rapidez que nossa capacidade de inventar coisas é maior do que a capacidade de usá-las. Estamos saindo do campo de um futuro visualizado pela ficção científica para entrar no futuro da antecipação científica. Não é mais questão de perguntar se vamos ou não inventar tal coisa, mas de quando isso vai acontecer!

Esta velocidade de mudanças nos traz novos desafios. Como lidar com elas? Como chegar a um consenso social a respeito do uso de novas tecnologias? Quais as regras de etiqueta que devemos seguir quanto ao seu uso? E quando estamos, mais ou menos,  estabelecendo alguns consensos, surgem outras tecnologias que nos forçam a começar de novo.

As mudanças provocadas pela Revolução Digital são inevitáveis, mas nem sempre bem-vindas. Setores de negócio sólidos e estabelecidos por décadas de sucesso empresarial caem por terra. Profissões desaparecem. Novas profissões surgem e exigem novas maneiras de se aprender.

Diante de transformações radicais e ameaçadoras, a primeira reação de setores é tentar barrar a inovação, usando regulações e meios jurídicos para tal. Vimos isso no setor fonográfico. Depois em relação aos taxistas contra o Uber. Agora vemos algumas sociedades de classes lutando contra uso de IA em sua área de atuação.  O instigante artigo “Justiça, inteligência artificial e os equívocos da OAB” mostra que não são apenas os taxistas que lutam contra as inovações.

O Uber e a indústria fonográfica são emblemáticos desta luta inglória. A única coisa que conseguiram foi, além de uma ou outra proibição temporária contraproducente no longo prazo, transformar seus clientes em inimigos. Não se luta impunemente contra a vontade do mercado.

Mudanças radicais não significam que seja inadequado criarmos novas regulações. Mas estas não devem inibir a inovação. As regulações devem ser flexíveis, pois sabemos que tudo é mutável e que novas tecnologias vão chegar, mudando de forma acelerada os hábitos e as maneiras de se fazer negócios. A mudança contínua é o eixo central da Sociedade Digital.

Aqui entramos em um cenário interessante. Temos dificuldades de visualizar o futuro na Sociedade Digital, porque este futuro é baseado em mudanças exponenciais e nosso pensamento é linear. Simplificadamente, quando pensamos linearmente nossa intuição de futuro é uma ampliação do passado recente. Mas, a mudança exponencial é totalmente diferente e muitas vezes fora de nossa concepção mental. Recomendo ler “Why Most of Us Fail to Grasp Coming Exponential Gains in AI” para uma discussão mais abrangente deste dilema.

Para sobreviver em um cenário de mudanças contínuas as organizações têm que ser ágeis e resilientes. Ser ágil é uma mudança transformacional, mais ou menos como a revolução de conceitos que Copérnico provocou na astronomia ao derrubar o conceito do geocentrismo. Ser ágil significa que a empresa não está mais no centro do universo (com os clientes em sua órbita), mas o próprio cliente é esse centro, com as empresas orbitando em torno dele. Isto implica buscar proporcionar experiências positivas e inovação contínua. Portanto ser ágil não é apenas implementar uma metodologia, mas fazer uma mudança cultural significativa. Não é opção, mas obrigação.

O futuro não pode ser visto como ameaça, mas como oportunidade. Ele é o produto de um processo no qual começamos a dar os primeiros passos neste momento. Ele não aparece, mas ele é criado, torna-se presente um dia, desde que façamos as lições corretas.

Entre as lições a aprender deve estar a separação do que é a inovação incremental das disrupções. Incremental é tentar adaptar as inovações disruptivas aos modelos já existentes. Encaixar o futuro no presente _ como os primeiros filmes, que eram, na prática, peças teatrais filmadas _ não dá sobrevida por muito tempo.

Olhar o futuro e acertar é extremamente difícil. Mas alguns sinais esparsos, aqui e ali, nos mostram algumas direções. Nos dão algumas pistas. Uma linha de atenção é o relatório Tech Trends, do Future Today Institute.

Mesmo dispondo de informações interessantes, fazer previsões é sempre arriscado. Voltemos por exemplo a 2005, quando renomados analistas de indústria apontavam uma forte tendência de crescimento na fabricação de desktops e laptops. Em 2007 apareceu o iPhone, criando uma disrupção, não apenas na indústria de celulares, destruindo valor de empresas sólidas como Nokia e Blackberry, mas provocando também uma onda de choque que reduziu drasticamente a produção de PCs.

O Facebook era apenas uma brincadeira que conectava estudantes universitários e hoje tem mais de 2 bilhões de pessoas conectadas. Não se previa isso em 2005. Portanto prever o mundo daqui a quinze anos é como acertar com precisão se estará chovendo em um determinado sábado à tarde daqui a seis meses. São tantas variáveis que nenhum modelo matemático consegue ser preciso.

futuro

No entanto, podemos pensar em algumas direções. Pense na Inteligência Artificial. Quando vemos os avanços exponenciais da IA,  impulsionados pela evolução exponencial da geração de dados (2,5 quintilhões de dados são gerados diariamente no planeta e este número dobra a cada dois anos ou menos) e pela capacidade computacional (um iPhone tem a mesma capacidade de um supercomputador de 30 anos atrás, potencializado na retaguarda por imensos data centers que provêm capacidade quase infinita em nuvem), acrescidos da conscientização de diversos países de sua importância estratégica, fica claro que existe uma tendência irreversível de sua crescente adoção. A IA afetará (na verdade, já está afetando) todos os setores de negócio e, portanto, qualquer empresa deve ter uma estratégia de adoção de IA em seu futuro imediato.

A Era Digital só está começando. A sua disseminação explosiva, a partir do iPhone, começou há cerca de apenas dez anos. Se pudéssemos ir 20 ou 30 anos à frente e olhássemos para o passado, ou seja, hoje, provavelmente estaríamos vendo algo tão distante quanto olharmos hoje para 1808 e observarmos o mundo onde D. João VI chegou com a família real ao Rio de Janeiro. Uma sociedade diferente da que vivemos hoje.

Estamos no ponto de partida e a corrida está apenas começando.

Texto feito por:

Cezar Taurion – Head of Digital Transformation & Economy at KICK Ventures & Angel Investor