O empreendedorismo tem que ser integrado ao DNA da organização

Já há alguns anos estou envolvido com o ecossistema de startup. Nesta jornada aprendi um pouco sobre alguns de seus atores: de um lado as próprias startups, e do outro as corporações, que buscam se aproximar delas, através de programas de corporate ventures.

Pelo lado das corporações, observei algumas iniciativas bem-sucedidas, mas que pecaram, em sua maioria, pelo fato de buscarem startups como se elas fossem resolver seus problemas de inovação de imediato. Já tive reuniões com executivos de empresas que simplesmente me pediram uma lista de startups para que elas fizessem apresentações para a diretoria. Via claramente que eles não tinham ideia do que buscar nas startups.

Também virou moda de visitar o Vale do Silício, que me parece muito com visitas ao zoológico. Algumas empresas até abrem um laboratório lá.  Você coloca uma pequena equipe no Vale e fica esperando pelo milagre das inovações. Infelizmente, nenhuma empresa aprende a inovar por osmose. Os erros fundamentais nessa estratégia são achar que a inovação pode ser delegada a terceiros e que ela pode ser criada em um ambiente fora da empresa. Não acontece assim. O empreendedorismo tem que ser integrado ao DNA da organização.

Corporate venture também não é sinônimo de sucesso. Muitas iniciativas de corporate venture naufragam por uma razão simples:  uma ou duas startups com uma dúzia de pessoas não muda o DNA de uma empresa de milhares de funcionários. Todas as vezes que uma corporação se aproxima de uma startup e a adquire para assimilar a sua cultura de inovação, vemos que acontece exatamente o contrário, com a startup absorvendo a cultura da empresa. Colocar uma startup dentro de uma grande corporação, é como colocá-la em um terreno árido e hostil, e não tem como ela florescer ali. Ela simplesmente vai morrer.

 A cultura organizacional das grandes empresas não combina com o jeito de ser de uma startup. A maioria dos programas de corporate ventures que conheço não traz inovação para dentro das empresas e acaba destruindo o que há de mais essencial na cultura ágil e inovadora das startups.

Outra coisa que me incomoda muito são os hackathons feitos sem uma estratégia para o “day after”. Criar um hackathon onde os participantes são jogados em um vácuo, sem conhecimento do contexto dos problemas a serem enfrentados, tem 99% de probabilidade de ser um desperdício de tempo e de dinheiro. Além disso, se ele for muito restrito e burocrático, vai inibir a inovação. Um cuidado adicional é não o tornar um simples evento social, onde pizza e lugares exóticos são a atração principal. Um hackathon “festivo” não vai gerar muita coisa válida…a não ser boas recordações para quem participar da festa!

E quanto às startups? 
Existe uma crença que a startup tem a obrigação de vir com uma ideia disruptiva, criar um negócio novo capaz de eliminar algumas empresas estabelecidas e se tornar um unicórnio em pouco anos. Claro, ser o próximo Google ou Amazon é o sonho de qualquer empreendedor. Mas, esqueça a literatura sobre as startups do Vale do Silício. A realidade brasileira é mais dura.

As diferenças entre o Vale e o Brasil são gigantescas. No Vale o custo de capital é muito menor, tem muito mais dinheiro circulando e existe muito mais disposição a correr riscos por parte de investidores do que aqui. Além disso, o mercado americano é extremante competitivo, o que praticamente força os investidores a procurarem modelos de negócios disruptivos.

Em vez de buscar algo disruptivo, um modelo de negócios revolucionário, porque não encontrar soluções práticas que resolvam os grandes problemas de ineficiências estruturais que existem no país? No Brasil, as ineficiências estruturais que encontramos em todos os setores da economia permitem a criação de startups que solucionem estes problemas, de maneira simples, mas causando grande impacto, sem necessidade de aplicação de tecnologias sofisticadas.

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Felizmente, estamos vivendo um momento de amadurecimento. As fábulas de startups unicórnios pipocando aqui e ali, que venderam livros e geraram empreendedores de palco, estão sendo substituídas pela realidade. A taxa de mortalidade de startups permanece maior do que qualquer outra atividade econômica. Segundo pesquisa da Startup Farm, 74% fecham após cinco anos e 18% antes mesmo de completar dois anos.

Em outra pesquisa, realizada em 2016 pela consultoria de dados Parallaxis, 72% das startups brasileiras faturam até R$ 50 mil por ano, sendo que apenas 6% destas têm faturamento de R$ 500 mil ou mais. Estes dados mostram que a maioria dos fundadores de startups toca seus negócios como um trabalho que apenas paga as contas, muito distante do sonho de ser um unicórnio.

Sim, empreender não é fácil. E aqui no Brasil, mais difícil ainda. Não temos um cenário propício à inovação, temos um aparato de impostos, e um ambiente regulatório e burocrático que é um dos piores do mundo, além de uma cultura que tende a punir fracassos e consequentemente altamente desestimuladora. O medo de falhar é um dos principais empecilhos para criar um negócio. Diversos estudos já comprovaram que extensa burocracia e leis trabalhistas rígidas, em mercados excessivamente regulados, tem efeito negativo no espírito empreendedor, por que punem os que querem tentar.

Por certo devemos tentar e nessa tentativa provavelmente vamos errar.  O que podemos fazer para minimizar os erros?

Bem, se soubermos onde estamos, quem nós somos e para onde queremos ir, com certeza já ajuda!

Um bom mapa para posicionar uma startup e ajudá-la a seguir seu caminho é o livro “The Startup J Curve” de Howard Love. Ele ajuda identificar onde uma startup se encontra e que ações seriam mais adequadas em cada etapa de sua jornada. Eu uso as ideias propostas por ele em minhas análises de startups e tem me ajudado bastante. Fica a dica.

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Fonte da imagem: https://medium.com/@BookVideoClub/the-start-up-j-curve-by-howard-love-2a19b6bdff0c

Mas, o que mais observei nas andanças pelo mundo das startups?
Muitas vezes, em bate-papos com empreendedores, descobria que eles só tinham uma ideia, mas achavan que ela, por si, criaria um unicórnio. Por mais legal que a ideia seja, ela valerá, no máximo, uns 5% do valor do negócio. Os outros 95% são fruto de muito suor, da capacidade de executar a ideia.

Uma ideia sem realização é como você estar em um bote no meio do oceano e descobrir que no fundo do mar, a dez mil metros de profundidade, existe um tesouro bilionário. Se você não tiver capacidade e tecnologia para chegar lá, o tesouro vai continuar inacessível. A ideia, é, na prática, uma simples hipótese que você imagina sobre alguma coisa. Ela tem que se provar verdadeira para ter valor.

Para dar certo, uma startup tem que oferecer um produto ou serviço que resolva um problema. Uma startup é uma bactéria que vive e prolifera no problema. Sem um problema real para resolver não existe a razão de ser da startup. E como achar um problema real? Novamente, voltemos ao início de nosso texto: olhemos os gargalos provocados pelas ineficiências estruturais de nossa economia. A reposta provavelmente estará aí.

Claro, da ideia à realização existe uma imensa distância que vai demandar muito suor e lágrimas. Supondo que a startup consiga sobreviver e florescer, há ainda outro desafio: escalar um negócio exigirá uma outra maneira de fazer as coisas.

O importante é saber o momento certo de escalar. Se for prematuro, vai certamente levar a startup para o buraco. Se for procrastinado, outro competidor pode ocupar seu espaço. Acredite, sua ideia não é a única! Escale apenas quando você já tiver acertado o produto ou serviço, e refinado o seu business model.

A fase de crescimento é muito estressante. Impõe muitas pressões à equipe, e demanda processos, talentos e capital que você não tinha antes. É um novo cenário. Por exemplo, talentos: quando no início você consegue fazer tudo, quando a startup escala, a demanda por pessoas especializadas em diversas áreas passa a ser requisito básico. Uma startup em early stage tem poucas pessoas além dos fundadores e cada um tem vários chapéus. Ao escalar, vai precisar de gente que conheça bem marketing, recrutamento e políticas de talentos, jurídico, finanças, gestão, etc. Um fundador que é ao mesmo tempo o CEO, CMO, CFO dos tempos pioneiros não dará mais conta. Também alguns profissionais terão que ser trocados, caso não se adaptem ao novo ritmo. Você já é uma empresa, com seus bônus e ônus. Marketing e divulgação passam a ter enorme importância. Recrutar e gerenciar talentos torna-se essencial.

Mas, vamos olhar mais pelo lado positivo. Esta mentalidade empreendedora que está florescendo no país é altamente benéfica. Que bom que o Brasil, apesar da crise, tem o maior ecossistema de startups da América Latina. Temos que nos esforçar para ampliar esse ecossistema, pois ele tem potencial de ajudar o país a crescer em termos econômicos. Uma forte cultura de empreendedorismo é essencial ao crescimento de um país.

A questão é como criar um ambiente propício para o surgimento das startups. Creio que a resposta vem de conseguirmos fazer com que o ecossistema se desenvolva. Para isso, é essencial compreender que o sucesso de um ecossistema depende de variáveis como talentos, densidade, cultura de inovação, capital e ambiente regulatório. Analisando estas variáveis vemos que não é simplesmente colocando Vale no nome de um hub que ele será automaticamente uma réplica do vale do Silício. A imensa diferença entre o volume de capital disponível, a disposição para correr riscos por parte de investidores e o nosso ambiente regulatório burocrático e hostil, mostram que somos muitos diferentes.

Para termos sucesso,  precisamos formar hubs de startups locais, focado em fundadores, sem depender tanto de investidores ou aceleradoras. É preciso contar com pessoas comprometidas e dispostas a realizar o trabalho duro. E, principalmente, esquecer o sonho de ser unicórnio e buscar resolver problemas reais. O Brasil, com suas imensas ineficiências estruturais, está cheio deles, todos em busca de soluções. As grandes empresas não estão conseguindo resolvê-los. Por que não ser a vez das startups?

Texto feito por:

Cezar Taurion – Head of Digital Transformation & Economy at KICK Ventures & Angel Investor