Uma vez que já sabemos que os robôs vão assumir grande parte dos nossos empregos, temos muito a fazer

Volto a escrever sobre o impacto da IA no futuro do trabalho e das profissões. Talvez esteja sendo repetitivo e meio insistente no tema, mas o faço porque sinto que ainda falta senso de urgência nas lideranças das empresas, nos profissionais, na academia e nas entidades de governo.

O debate sobre o impacto da automação no emprego não é novo. Data do início da sociedade industria. Para muitos, como já passamos por revoluções industriais de base tecnológica, mais cedo ou mais tarde as coisas vão se arranjar de forma adequada. Tenho uma visão diferente. Desta vez as transformações são muito mais aceleradas que as anteriores (as máquinas de fiar levaram mais de 100 anos para se difundir fora da Europa, enquanto a Internet se espalhou mundialmente em sete anos) , a amplitude das transformações é muito maior ( o smartphone surgiu em 2007 e hoje existem mais de 2,5 bilhões destes dispositivos e bilhões de outros celulares menos potentes), e, ao contrário das tecnologias anteriores, que potencializavam nossa capacidade física, as tecnologias digitais, como IA e robótica, estão potencializando nossa capacidade cognitiva.

A percepção de que a mudança desta vez é muito mais desafiadora, começou a ser debatida com o paper “The Future of Employment: how susceptible are jobs to computerisation”, de 2013. Os impactos sociais desta transformação afetam todos os países, inclusive aqueles em desenvolvimento, que atraíram indústrias dos países desenvolvidos pelo seu baixo custo de mão de obra. Eles  perderão a sua vantagem competitiva com a substituição da mão de obra por máquinas. Com isso, por questões de redução de custos logísticos, torna-se atrativo para as indústrias dos países desenvolvidos repatriarem suas linhas de produção.

O impacto no trabalho passa pelo redesenho de muitas das atuais profissões, pela extinção de outras e a criação de novas, que talvez sejam inimagináveis no curto prazo. Um estudo interessante sobre profissões do futuro pode ser lido em “These Are the Most Exciting Industries and Jobs of the Future”. De qualquer forma, as novas profissões tendem a exigir um conjunto de habilidades que exploramos muito pouco e até mesmo refreamos, pelo modelo de educação criada pelo paradigma da sociedade industrial. O artigo “A Model for the Future of Education” nos obriga a repensar o atual modelo educacional.

A capacidade crescente da Inteligência Artificial e o surgimento de algoritmos cada vez mais sofisticados (sugiro a leitura do texto “Machines Teaching Each Other Could Be the Biggest Exponential Trend in AI”, bem como o fato de ainda estarmos no início das descobertas de seu potencial  (no meu ponto de vista a IA está hoje como a Internet em 1998, quando surgiu o Google e a Amazon era apenas uma livraria online), com muita evolução ainda pela frente (leiam “How Fast Is AI Progressing? Stanford’s New Report Card for Artificial Intelligence”), fará com que as mudanças que estamos vivenciando hoje sejam apenas uma pequena amostra do que virá na próxima década.

O conceito de trabalho está mudando. Já é possível automatizar tarefas não rotineiras. Um exemplo é a Work Fusion que usa IA, divide um trabalho executado por um profissional em pequenas tarefas, as automatiza e usa plataformas de crowdsourcing, como Amazon Turk,  para recrutar free lancers para as tarefas que não podem ser automatizadas. É uma nova maneira de encarar o trabalho e isso muda por completo as relações entre empresas e funcionários. Uma descrição de como funciona o Work Fusion está em “This robot startup is trying to win the $5 trillion race to automate corporate Jobs”. Esta mudança tem seu lado negativo, mas também um lado positivo bem forte.

Uma vez que já sabemos que os robôs vão assumir grande parte dos nossos empregos, o que podemos fazer sobre isso? O especialista em inovação, David Lee, diz que devemos começar a criar empregos que desbloqueiem nossos talentos e paixões escondidas (as coisas que passamos fazendo nos fins de semana) para nos mantermos relevantes na era da robótica. “Comece a perguntar às pessoas quais são os problemas que elas estão inspiradas para resolver e quais os talentos que querem trazer para o trabalho”, diz Lee. “Quando você convida as pessoas para serem mais, elas podem nos surpreender com o quanto mais podem ser”. Vale a pena ver o vídeo dele no TED, em “Porque os empregos do futuro não serão como trabalho”.

Na verdade, fica cada vez mais claro que os robôs não eliminarão o trabalho humano, eliminarão tarefas e provavelmente muitas profissões atuais. Mas abrirão espaço para que nós usemos criatividade e capacidade de improvisação, o que provavelmente será o cerne das futuras profissões. Inteligência social e empatia, por exemplo, não são facilmente automatizáveis, se é que serão um dia.

E os impactos econômicos? As indústrias deixam de ser grandes empregadoras, com a crescente automatização substituindo operários nas linhas de produção. As falácias do século passado onde indústrias, como a automotiva, tinham que ser subsidiadas por que eram grandes geradoras de emprego, está deixando de ser verdade. Os impactos da automação começam a ser sentidos em praticamente todos os países, à medida que o tempo de payback de sistemas robóticos diminui rapidamente. O impacto varia de país para país  e um estudo do Banco Mundial (“World Bank Development Report”, de 2016) apontava que os riscos de substituição de trabalhos hoje ocupados por humanos por máquinas podia variar de 47% nos EUA, 69% na Índia, 85% na Etiópia, 77% na China, 72% na Tailândia e 57% em média na Comunidade Européia.

Em resumo, a IA e a robótica afetarão todos os países, qualquer que seja seu estado de automação atual.  O Brasil não ficará imune a esta mudança. Como a eletrificação e a revolução industrial chegou até nós, a revolução da IA e robótica também chegará, e muito mais rápido do que muitos pensam. O Fórum Econômico Mundial publicou um relatório instigante, intitulado “The Future of Jobs: Employment, Skills and Workforce Strategy for the Fourth Industrial Revolution”, analisando os impactos da evolução tecnológica, onde a IA tem papel fundamental no cenário futuro. O relatório lembra que provavelmente 65% das crianças que estão nas escolas primárias hoje estarão trabalhando em funções completamente novas, que simplesmente ainda não existem. Sobre o Brasil, o relatório aponta algumas barreiras desafiadoras como a ainda grande incompreensão das disrupções que já estão surgindo (55% dos entrevistados), a falta de alinhamento da estratégia da força de trabalho das empresas (e, claro dos órgãos públicos) com as inovações disruptivas (48%) e, devido à crise econômica, a pressão dos acionistas pela rentabilidade de curto prazo (48%).

Não podemos e nem devemos ficar inertes. O economista e ganhador do Nobel de economia de 2013, Robert Schiller, disse em 2015 “technology seems to be changing life in such a fundamental way and what it’s leaving people thinking is ‘where will I be in 30 years? Look how fast everything is changing now. Where will my children be? I want to leave something for them because they could be in terrible straits“. A entrevista está em “Everyone is scared: Nobel Prize winner Shiller”.

Nós devemos nos preparar para estas mudanças. O artigo “If this is Globalization 4.0, what were the other three?” aponta que o tema das transformações que automação provocará nas sociedades será o assunto principal  do Fórum Econômico Mundial, agora em janeiro de 2019, em Davos. A IA não precisa e nem deve ser uma equação de soma zero, humanos versus IA, mas sim humanos mais IA gerando mais inteligência. Claro que, para isso, temos que nos preparar. A academia formando profissionais para novas funções nas profissões existentes e para as novas profissões. E as empresas e a sociedade discutindo os efeitos da IA nos seus negócios. Será um grande equívoco subestimar os riscos decorrentes da disseminação destas novas tecnologias.

Recomendo a leitura de um instigante artigo publicado na Economist, “Will robots displace humans as motorised vehicles ousted horses?”, que faz uma analogia do uso massivo de IA e robótica no emprego com a chegada dos automóveis e a substituição dos cavalos. O artigo deixa claro que provavelmente não haverá substituição, mas que os seres humanos têm muito a aprender com esse exemplo.

 

Texto feito por:

Cezar Taurion – Head of Digital Transformation & Economy at KICK Ventures & Angel Investor