É preciso redesenhar os sistemas de educação para criar as habilidades gerenciais e operacionais

Sou um entusiasta da IA. E não é de hoje. Lembro que na adolescência devorava livros de Isaac Asimov, como a famosa  trilogia “Fundação” e, principalmente, “Eu, robô”,  uma série de contos que são um marco na história da ficção científica, pela introdução das célebres Leis da Robótica, e por um olhar completamente novo a respeito das máquinas.

Os robôs de Asimov conquistaram a cabeça e a alma de gerações de escritores, cineastas e cientistas, sendo até hoje fonte de inspiração de tudo o que lemos e assistimos sobre eles. Depois veio o inesquecível filme de Stanley Kubrick, “2001, uma odisséia no espaço” e com ele o HAL 9000 (Heuristically programmed ALgorithmic computer), que é um computador com avançada Inteligência Artificial, instalado a bordo da nave espacial Discovery e responsável por todo seu funcionamento. Os diálogos do Hal com os atores me deixaram realmente impressionado com que o futuro poderia trazer. Quando li um paper sobre Eliza, software criado por pesquisadores do MIT, vi que a IA era possível pois já nos anos 60 um sistema conseguia interagir de forma razoável com humanos. Comecei a ler todos os livros sobre o assunto e, em meados dos anos 80, consegui aprovação para colocar em prática uma experiência, dentro da empresa na qual trabalhava.

Na época o cenário da IA estava dividido em duas linhas de pensamento, um grupo que adotava o conceito de “rule-based”, também chamado de “expert systems” ou sistemas especialistas, e o grupo que se orientava pelo conceito de redes neurais (as neural networks). As redes neurais pareciam muito promissoras, mas faltavam dados e a capacidade computacional disponível na época era imensamente inferior à que temos hoje. Pragmaticamente optei pelos sistemas especialistas, pois a lógica de desenvolvimento me parecia mais factível: entrevistar profissionais especialistas em determinada área e codificar seus processos de decisão, em uma árvore de decisão, com If-Then-Else.

Um sistema especialista tem dois componentes básicos: um motor de inferência e uma base de conhecimentos. A base de conhecimento tem os fatos e regras, e o motor de inferência aplica as regras aos fatos conhecidos e deduz novos fatos. A primeira dificuldade foi aprender a linguagem Lisp, Vencida essa barreira, veio o entrave da falta de especialistas com o conhecimento necessário. Por serem especialistas, eles eram muito requisitados e não tinham tempo disponível, muito menos para um projeto experimental. Além disso, era muito difícil tentar traduzir suas decisões, muitas vezes intuitivas, em regras claras para serem colocadas em uma árvore de decisão. E à medida que ia acumulando o conhecimento do especialista, o processo  tronava-se mais e mais complexo. Em resumo, o sistema jamais funcionou adequadamente e foi descontinuado. Mas valeu a experiência.

Na última década, a IA renasceu e a ênfase foi direcionada para as redes neurais. Já temos os dois fatores essenciais: a capacidade computacional e a abundância de dados. Em capacidade computacional, um simples smartphone tem mais poder computacional que um supercomputador Cray-2 de dez milhões de dólares de 1985. Na retaguarda, temos nuvens computacionais com capacidades quase infinitas. Em termos de dados, geramos hoje cerca de 2,5 quintilhões de bytes por dia e este número dobra rapidamente.

O ponto de inflexão das redes neurais deu-se em meados do anos 2000 com as pesquisas de Geoffrey Hinton,que descobriu maneiras eficientes de treinar várias camadas de redes neurais. Isto permitiu o rápido avanço de algoritmos de reconhecimento de imagem e de fala. Surgiu o termo “Deep Learning” que hoje é o motor básico dos principais avanços na área de IA.

Os conceitos de “Deep Learning” foram a base de construção do AlphaGo, que venceu o campeão mundial de Go, um complexo jogo de estratégia oriental, e posteriormente do AlphaZero, que aprendeu sozinho, em 4 horas a jogar xadrez e vencer o software campeão mundial , o Stockfish. A história do confronto AlphaZero versus Stockfish pode ser lida em “Google’s AlphaZero Destroys Stockfish In 100-Game Match e o a disputa do AlphaGo com o campeão mundial pode ser vista em um documentário disponível desde janeiro na Netflix.

Aqui no Brasil, acompanho de perto os impressionantes avanços da IA, por ser sócio, mentor e membro do conselho da startup DataH e também presidente do i2a2 (Instituto de Inteligência Artificial Aplicada). Estamos entrando em uma nova fase da IA, a de implementação. Com os avanços nos algoritmos de “Deep Learning” temos condições de colocar IA em todos os setores de negócio e em praticamente todas as atividades que as empresas e governos executam. O pesquisador Andrew Ng chamou a IAde hoje, muito apropriadamente,  de nova eletricidade, pelo impacto que vai causar na sociedade.

Um estudo da PwC (“Sizing the prize- PwC’s Global Artificial Intelligence Study: Exploiting the AI Revolution) estima que a contribuição potencial da IA para a economia global será de US$15,7 trilhões em 2030, ganhos capturados principalmente pela China e EUA. Os países em desenvolvimento, como o Brasil terão os ganhos bem menores, pelo seu ritmo mais lento de adoção de IA. Isto significa que, aqui no Brasil, precisamos acelerar a formação de talentos para atuarem em IA. A fase de implementação não precisa de escassos cientistas de elite, mas sim de uma quantidade adequada de profissionais que atuem como cientista de dados e engenheiros de Machine Learning.

OK, a IA também abre as portas para uma crise em potencial: o aumento da desigualdade econômica entre os países e a perda de empregos. A produtividade gerada pela IA provocará eliminação ou redução de atividades hoje efetuadas pelos humanos. Imaginemos por exemplo, veículos autônomos. O Brasil tem hoje cerca de 500 mil motoristas do Uber. Se em 10, ou 15 anos, os veículos do Uber se tornarem autônomos, o que acontecerá com seus motoristas? E os motoristas de caminhão? E amaioria dos atendentes de call center e caixas de supermercados?

A Inteligência Artificial (IA) promoverá uma nova relação entre humanos e máquinas, e transformará a natureza do trabalho como conhecemos hoje. Claro que a IA também criará novos empregos. São necessárias pessoas para construir os sistemas de IA e desempenhar novas funções, sequer imaginadas hoje, que surgirão.  Há dez anos ninguém pensava em ser um youtuber e ganhar dinheiro postando vídeos no YouTube. Os seres humanos podem fornecer o senso comum, habilidades sociais e intuição que as máquinas não têm.

Aqui no Brasil estamos bem atrasados, e é um grande equívoco subestimar os riscos decorrentes da disseminação destas novas tecnologias. Precisamos de senso de urgência para abraçar a revolução digital e a IA, e redesenhar os sistemas de educação para criar as habilidades gerenciais e operacionais.

Texto feito por:

Cezar Taurion – Head of Digital Transformation & Economy at KICK Ventures & Angel Investor