Aqueles que a empresa considera seu principal estrategista digital? Se não, veja o que fazer para se tornar um deles

Vivemos em um mundo onde negócios digitais disruptivos surgem da noite para o dia,  transformando os hábitos da sociedade e afetando a cadeia de valor de tal forma que um setor inteiro se vê ameaçado de desaparecer. De alguma forma, com maior ou menor intensidade, todos os setores serão afetados. Quanto mais digitalizado o produto, maior será o risco de passar por uma ruptura em seu modelo de negócio.

Mesmo setores regulados sofrerão com novos entrantes. O exemplo do setor financeiro é emblemático. As startups fintech (junção de finanças com tecnologia) estão desafiando os bancos tradicionais, que precisam se reinventar para atingir o modelo de banco digital. E a entrada das gigantes de tecnologia no setor, como as BigTechs Amazon e Google, coloca mais gasolina no incêndio. A indústria bancária sempre se escudou _ em nome da segurança _ na burocracia e na complexidade dos seus processos. Mas as fintechs, por já nascerem no mundo digital, oferecem serviços e produtos mais baratos e ágeis, e seus modelos de negócio são pensados no limite da regulamentação, o que evita enormes custos legais e de compliance.

Em outros setores as startups também são as maiores ameaças. Em alguns setores, como bens de consumo, varejo, telecomunicações e mídia & entretenimento mais da metade dos executivos apontam, em várias pesquisas, que sua maior ameaça vem de startups do setor ou de fora do setor, e não de seus concorrentes!

Mesmo indústrias aparentemente mais afastadas do epicentro digital não estarão blindadas por muito tempo ao surgimento de um concorrente inesperado.

Com isso, a tecnologia da informação passa a assumir um papel cada vez mais importante nas organizações, seja na forma de como as empresas interagem com seus clientes, parceiros e fornecedores, seja nos seus processos internos. Uma sociedade cada vez mais hiperconectada está buscando novas experiências digitais e as novas gerações dão mais importância à experiência do que à marca. Um exemplo é o WhatsApp, cuja experiência consolidou a marca.

A tecnologia se entranha também nos produtos e serviços e as empresas começam a se ver como empresas de tecnologia. Tecnologia e a TI passam a ser assunto estratégico e não apenas questão operacional. Os CIOs, neste contexto, estão diante do risco do desemprego ou da oportunidade única de se tornarem realmente estratégicos. Existem casos, ainda poucos, é verdade, de CIOs se posicionarem na esfera estratégica, até como CEOs. Um exemplo é a FedEx, nos EUA, onde Robert Carter, seu atual CIO é também co-CEO.

E aqui no Brasil? Nos últimos anos, tive a grata satisfação de participar de muitos dos principais eventos de CIOs e na conversa com centenas deles, consegui obter uma visão, meio informal, mas bastante interessante, de como estão se posicionando os CIOs no país. Existem algumas empresas que olham TI de forma estratégica, como os grandes bancos. Mas, fora do setor financeiro, os casos são bem mais raros.

Antes de mais nada o que é um CIO estratégico? É aquele que está no mesmo nível decisório dos demais C-levels e que não os trata como seus clientes, mas como parceiros em busca de um objetivo comum. O cliente do CIO estratégico é o mesmo dos demais C-levels, os que estão lá fora, comprando os produtos que sua companhia vende. O CIO estratégico ajuda a desenhar as estratégias da corporação, e não apenas fica em standby aguardando que as estratégias sejam definidas e que as ações operacionais lhe sejam designadas. O CIO estratégico atua junto ao CEO, e não apenas fala com ele pontualmente. Afinal, o CEO está no cerne das decisões estratégicas e, portanto, se a empresa considera que a tecnologia é estratégica, o principal parceiro nestas discussões deve ser o CIO.

O CIO estratégico é, portanto, aquele que a empresa considera seu principal estrategista digital.

Infelizmente, vejo que em muitas empresas brasileiras as altas gerências ainda veem a TI como tática e operacional, tendo basicamente o papel de automatizar os processos de negócio, buscando ser mais eficiente pelo menor custo possível. Para eles a TI é um centro de custos. Esta percepção é mais acentuada nas empresas de porte médio que, paradoxalmente, são as mesmas empresas que sofrem muito quando uma disrupção tecnológica surge em seu setor, pois nem sempre têm capital suficiente para fazer sua própria transformação. Também observo que, em muitas empresas, as tecnologias emergentes são vistas como futurologia, muito distantes de sua realidade. Mas em uma era de exponencialidades, os impactos das transformações provocadas pela tecnologia digital chegarão muito antes do imaginado.

A jornada para ser estratégico não é fácil. O papel do CIO do futuro, estratégico, está desenhado. Mas este papel não será preenchido automaticamente por quem está sentado hoje nesta posição.

Para se tornar verdadeiramente estratégico, o CIO deve perguntar a si mesmo.

1 . Como CIO tenho as qualificações para ser considerado pela alta administração como estratégico?

2 .  Tenho capacitação não apenas de tecnologia, mas também de negócios?”

3 . Entendo perfeitamente das características do negócio e consigo ser bilíngue, ou seja, falar fluentemente as línguas dos negócios e da tecnologia?

4 . Consigo traduzir complexidades técnicas em linguajar de negócios, mostrando didática e claramente o valor que a tecnologia vai trazer para o resultado da empresa?

5 .  Consigo expressar os investimentos em tecnologia em business cases?

6 . Se tenho estas qualificações, o que preciso fazer para a organização entender a importância crescente da tecnologia na sua própria sobrevivência?

7 . Que iniciativas tenho que tomar para ajudar a alta gerência entender esta importância?

8 . Como educá-los nisso?

9 . Consigo compreender como a cultura organizacional inibe ou impulsiona inovação?

10. E sei como navegar neste contexto?

Um desafio e tanto é monitorar tecnologias emergentes e identificar quais poderão ser aplicáveis à organização no curto ou médio prazo. O CIO deve se questionar: “monitoro estas tecnologias ou dedico 100% do meu tempo às questões operacionais?”. Nas minhas interações, observei que a maioria dos CIOs tem conhecimento das novas tecnologias, mas não dedica tempo suficiente para analisá-las e entender como impactarão suas empresas.  Elas passam meio despercebidas e ficam sem prioridades nos seus planos. Ficam para o budget do ano que vem!

Por outro lado, muitas vezes esses CIOs são pressionados pela alta administração para fazerem algo, porque os executivos leram sobre elas em revistas de negócios. Resultado, acabam criando projetos piloto sem objetivos claros de negócio e sem prioridades, apenas para atender à demanda “superior”.

Observo também que além da alta administração não ter a percepção de uma TI estratégica, muitos CIOs acabam se acomodando na zona de conforto da atuação operacional. Muitos dos com quem conversei, basicamente frequentam apenas eventos específicos de tecnologia. Poucos participam ativamente de eventos de seus setores de negócio. Felizmente, muitos têm consciência disso e estão agindo para corrigir seu comportamento. Alguns me falaram que estão indo a eventos de marketing junto com seus CMOs para entenderem as demandas atuais e futuras deste setor. Outros me disseram que vão aos eventos de negócios e cortaram bastante do tempo dedicado a frequentar eventos de fornecedores de produtos e serviços de tecnologia, pois estes não os ajudam a desenhar estratégias de negócio. E muitos reclamam que seus fornecedores são monoglotas, só falam tecniquês.

Estes estão no caminho certo. Entenderam que seu papel atual como CIO ficará um simples título honorífico diante das mudanças que já estão chegando. E querem que o papel de CIO estratégico fique com eles. Afinal, sabem que este papel será preenchido. Se não por eles, por alguém.

 

Texto feito por:

Cezar Taurion – Head of Digital Transformation & Economy at KICK Ventures & Angel Investor